terça-feira, 31 de março de 2015

Diário de bordo / Encontro de 20/03

        Na primeira parte fizemos uma prática de jogos teatrais. A dinâmica que planejei previamente não funcionou, porque quando eu cheguei na Associação, me esqueci completamente como se brincava. Então Roger, que já trabalha no espaço a algum tempo, veio ao meu socorro e coordenou vários jogos que deixaram os meninos o pique para os exercícios que vieram a seguir.
        Pedimos para lembrarem de coisas que faziam nas suas casas e bairros antigos e fisicalizassem essas lembranças. Depois transformaram essas fisicalizações em narrativas escritas.
          Abaixo, as narrativas escritas pelos adolescentes:












quinta-feira, 19 de março de 2015

Planejamento para o encontro de 20/03

*Chegada;
*(Re) apresentação;
*Dinâmica/ brincadeira coletiva:
Senta-se em roda e executa-se os movimentos:

"Joelho, joelho, cruza, joelho
Amigo, joelho, cruza, joelho
Amigo, joelho, cruza
Joelho, amigo, joelho, cruza
Joelho, amigo, joelho, cruza
Joelho, amigo, joelho, cruza
Joelho, amigo, joelho"

Enquanto executa-se os movimentos, canta-se:

"Dum dum escatum gará
Escatum gararibê, escatunga dinga
Oeste de veli veli
Escatum gararibê, escatunga dinga
Dum dum dáti dará
Dum dum dáti dará
Dum dum dá"

*Leitura das narrativas (trocadas)
*Música "Felicidade"
*Proposta de paródia da música com base nas narrativas lidas.

sexta-feira, 13 de março de 2015

"Às vezes, tem uma TV estragada e eles nem perguntam se a gente sabe arrumar"

13 de março de 2015

Hoje foi o nosso primeiro dia na Associação/ Ponto de Cultura Cidade de Livre. As crianças e adolescentes foram super receptivas e nos acolheram da melhor maneira possível nesta tarde chuvosa.
Fizemos uma dinâmica de apresentação, para que começássemos a nos conhecer. Nesta dinâmica, pedimos para que cada um pontuasse três qualidades positivas no colega da direita e um dos fatos que nos chamou bastante atenção, foi quando uma menina negra pontuou as três "qualidades" da colega do lado: branca, olhos claros e bonita. Isso nos mostra o quanto o preconceito está arraigado em nossa sociedade e que muitas vezes ele surge das próprias pessoas que sofrem o preconceito. Estávamos na periferia, onde a maioria das crianças e adolescentes são negras e carentes e, no entanto, as "qualidades" apontadas são aquilo que não são: brancos, dos olhos claros, uma projeção de beleza e de uma situação melhor. Só esse episódio daria muito pano pra manga...
Lemos juntos o fanzine "A Saudade de José" de Cristina Helou. Foi lindo ouvir a história na voz daqueles meninos...e ouvir também o que eles compreenderam sobre este. Indagados se já haviam passado por alguma mudança de casa (como acontece com o menino José), pelo menos a metade afirmou que sim. As origens são diversas: Tocantins, Pará, interior de Goiás...
Perguntamos se, na condição de crianças e asolescentes, as opiniões deles são levadas em conta pelos adultos. Uma das garotas assim respondeu: "Eles não querem saber da gente, não querem saber o que a gente pensa. Ás vezes, tem uma televisão estragada, e a gente sabe arrumar, mas eles não perguntam se a gente sabe arrumar. Preferem jogar fora do que perguntar se você sabe arrumar."
No final, trabalhamos a música "Felicidade" de Lupicínio Rodrigues, que fala de saudade...A saudade de José...

segunda-feira, 9 de março de 2015

Cronograma para a reunião (do dia 13/03) com as crianças

·         *Apresentação;
·         *Falar do projeto;
·        * Ler o fanzine com as crianças;

·        * “Felicidade foi-se embora e a saudade no meu peito inda mora...”;

Sobre o Fanzine

A Saudade de José: uma experiência de história e narrativa sequencial ilustrada. – Cristina Helou Gomide/Gazy Andraus

Pesquisadora e educadora, Gomide, em parceria com Andraus que também defende um ensino criativo e menos estritamente tecnicista, percebendo a necessidade de divulgar as idéias sobre como transformar o conhecimento produzido na academia em processo construtivo do saber, expõem um texto aliado à imagética abordando a história da transferência da capital da Cidade de Goiás para Goiânia no início da década de 1930, período da “Revolução de 1930 no Brasil”.  Este projeto é fruto de pesquisas realizadas no mestrado em história de Gomide, idealizadora do projeto, na UFG, e volta-se à divulgação de uma experiência com ação conjunta entre ela e um autor de quadrinhos. Ambos entendem que o processo de construção do saber se dá de diversas formas, e uma delas, a da narrativa imagética seqüencial, reforça a atenção criativa do hemisfério cerebral direito dos que entram em contato com desenhos, sendo tal texto não só abordador da história como transmissor de emoção e reflexão através das imagens da personagem José, que delibera e partilha ao leitor suas memórias do período em que se viu obrigado a mudar com seus pais quando da transferência da Capital de Goiás. A arte e desenhos de algumas páginas se assemelham às de histórias em quadrinhos cujo potencial imagético é perfeito para a união da narrativa textual histórico-fictícia. Este conto, oriundo das reflexões elaboradas durante o período de1997 a2001, no processo de pesquisas realizadas por Gomide, trata de investigar os sentimentos das pessoas que ficaram na antiga capital após a transferência da mesma para outro espaço. Justamente, em função de tais inquietações como educadora, a autora convidou o pesquisador e autor Andraus a ilustrar tal conto semelhante a um livro ou álbum ilustrado sequencialmente. Como educadores e produtores de história, bem como amantes dos quadrinhos, resolvemos assim produzir algo que pudesse aguçar a imaginação de leitores diversos, não nos preocupando somente com o meio acadêmico, já repleto de conhecimento científico, acreditando que a produção do conhecimento deve atingir todas as camadas da sociedade, inclusive pessoas ditas não intelectuais ou não escolarizadas. Por fim, o texto imagético ainda carece de publicação, o que nos motiva a divulgá-lo academicamente e a que incentive pesquisadores, alunos e editoras a ampliarem seu leque no que tange à ficção documental.

Fonte:
https://iforumnacionalartesequencial.wordpress.com/resumos/comunicacoes/

Projeto

APRESENTAÇÃO

O conto “A Saudade de José”, escrito por Cristina Helou Gomide, é fruto de pesquisas realizadas na década de 1990 na Cidade de Goiás, antiga Capital do Estado de Goiás. Em 1930, com o advento da Revolução de 1930 em Goiás, o poder político que estava nas mãos de um grupo político liderado pela família Caiado, foi substituído pelo grupo de Pedro Ludovico Teixeira, que se tornou interventor do Estado, quando nomeado por Getúlio Vargas. Este se tornou interventor no âmbito federal à época. Como o espaço da Cidade de Goiás representava o reduto político das forças políticas anteriores a ele, Pedro Ludovico, unido a um projeto político nacional de interiorização, vislumbrou a transferência da Capital para outro local. Esse projeto se concretizou e Goiânia foi construída pelas mãos de muitos trabalhadores, vindos de várias regiões do Brasil. Na pesquisa realizada desde 1995, pela historiadora Cristina Helou, muitas fontes foram analisadas, tais como: fontes impressas, jornais, relatos de viajantes europeus e administradores locais, arquivos da Igreja e da literatura. Entretanto, em contato com os moradores da antiga capital, pudemos dar corpo a outra perspectiva sobre a transferência da capital da Cidade de Goiás para Goiânia. Dialogando com moradores locais que não se mudaram para Goiânia mesmo após a transferência da capital, pudemos perceber a memória que os sujeitos guardavam desse processo. Os narradores com os quais nós dialogamos traziam consigo a memória da infância, lembrando os sentimentos de seus pais e avós, às vezes de seus casamentos. Na década de 1990, essa memória era de abandono, de vazio e dor. Muitos destes moradores, com os quais dialogamos, já faleceram. Recentemente, em novos diálogos com moradores locais pudemos perceber que outra memória se constituía. Atualmente, essa memória de vazio e abandono tem aparecido de forma velada, às vezes no silêncio ou travestida pela ideia de que o “lugar pacato” é melhor do que Goiânia. É uma memória de orgulho, sobretudo, porque a antiga capital foi reconhecida como Patrimônio Histórico e Artístico da Humanidade. Isso nos chamou a atenção. Daí a proposta de retomada desse conto, escrito em 2001. Vimos a oportunidade de aliar as narrativas de velhos que falam de memórias da infância desses sujeitos à época da transferência da capital. Ter a oportunidade de adaptar essa obra à forma de teatro é, sem dúvida, para nós, uma oportunidade para promover o diálogo entre a pesquisa histórica e a prática da arte, sob a forma de literatura e teatro, trazendo assim, nossas pesquisas para o campo do coletivo. A Ilustração do Livro, feita por Gazy Andraus, promove uma abordagem ainda mais interessante para o tema. Graduado em Arte e Doutor em Comunicação, o Ilustrador propõe a abordagem por meio da Ilustração Sequencial, promovendo outra possibilidade de interpretação do texto escrito. Cremos, portanto, que nossa iniciativa vem ao encontro às discussões mais recentes do mundo acadêmico na área de humanas: como compartilhar nossa produção de conhecimento realizada na Universidade com os demais sujeitos do Estado de Goiás. Queremos compartilhar, dividir, dialogar e receber novas ideias e interpretações. Temos ainda a intenção de promover novos diálogos com moradores locais, promovendo assim, uma reflexão sobre o processo de transformação da memória ao longo da história. É, enfim, uma maneira de constituirmos o elo dos sujeitos com sua própria história e ao mesmo tempo garantirmos uma atividade formativa aos sujeitos em todos os âmbitos.

OBJETIVO GERAL

Realizar um projeto interdisciplinar entre Educação, História e Arte, incitado pelo fanzine "A Saudade de José", de Cristina Helou Gomide e Gazy Andraus, que tem como fundamentação as narrativas orais acerca da transferência da Capital de Goiás para Goiânia, obtidas a partir da pesquisa realizada na década de 1990.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

* Criar um espetáculo teatral, com livre adaptação do fazine "A Saudade de José", de Cristina Helou Gomide e Gazy Andraus. Por meio de pesquisas em Interações Artísticas, pretendemos trabalhar com aspectos da memória e das narrativas orais, de forma que a dramaturgia interaja com os espaços não-convencionais das/nas cidades de Goiânia e de Goiás;
* Estimular e propiciar a produção de materiais (narrativas orais e escritas, desenhos, diários de bordo, partituras cênicas e corporais) que possam de alguma forma ser guardados e/ou registrados e que deles possamos nos servir como metodologia;
* Divulgar a produção artística do coletivo, com apresentações públicas.

JUSTIFICATIVA

O encontro entre os pesquisadores de áreas diferentes de conhecimento foi fundamental ás nossas discussões que deram origem à iniciativa aqui exposta. Em contato/diálogo entre o grupo “Terreiro da Infância”, coordenado pela professora-pesquisadora-diretora. Natássia os escritores Cristina Helou Gomide e Gazy Andraus, a produtora e cineasta Marcela Borela, sentimo-nos instigados a realizar tal projeto. O grupo “Terreiro da Infância”, como o próprio nome sugere, trabalha com a infância e tem como método de abordagem a criação teatral, e a pesquisa referente à transferência da capital, que traz narrativas de idosos que retratam sua infância, se tornou elo significativo para unir as produções e fazer desse material algo que possa ser levado a todo Estado de Goiás, quem sabe, futuramente, para outros espaços do Brasil. Portanto, pensamos que a criação da peça teatral é importante para a discussão do sujeito goiano, sua história/memória, além de representar um veículo de divulgação e interpretação do que temos discutido em nossas áreas de atuação.
A comemoração de mais de 8 décadas da transferência da Capital da Cidade de Goiás para Goiânia nos faz pensar na importância de trazer a abordagem da memória/história nesse marco tão importante para nós. Assim, é importante tratar do ressentimento dos moradores que perdurava até 1999. Isso, cremos, está representado na figura da criança, a personagem José no conto “A Saudade de José”, tanto na forma de texto inspirado na memória dos velhos à época da transferência da capital, crianças, quanto na Ilustração de Gazy Andraus, que consegue captar a essência das narrativas e trazer os sentimentos e a imaginação dessa criança para o papel. Nessa parceria, percebe-se o diálogo entre a cidade e a memória das pessoas, quando a memória do espaço da cidade parece estar entremeada por um fato histórico e vice versa. José (aquele que foi inspirado pela memória da infância do narrador) sente saudade do “tempo”, do “espaço” e das “relações sociais” presentes na cultura goiana do início do século XX antes da existência de Goiânia. Ao mesmo tempo, o texto/ilustração, trata das contradições e perspectivas de dois espaços, as disputas políticas e as implicações desse momento histórico no centro-oeste no Brasil.
Com nossa proposta, estamos trazendo à cena, uma discussão fundamental sobre cultura. A cultura, constantemente re-significada, traz consigo vestígios do passado e incorpora transformações do presente. Cremos que nossa produção e os resultados pretendidos são uma forma de firmar nosso compromisso como educadores e produtores do conhecimento. Acreditamos que a pesquisa necessariamente precisa retornar aos sujeitos da história, sem “resgatar” a história, mas sim retomá-la, tendo como base os sujeitos que a compõem, dando voz e visibilidade a eles. Há aí possibilidades diversas de discussão da história de Goiás e seus diversos motes. Trata-se de uma ampliação estética e histórica sobre o tema pesquisado.
Neste sentido, pretendemos trabalhar com criação coletiva na produção do espetáculo. A criação coletiva, como modo operante, está agenciados com uma intensa transformação nas perspectivas do constructo da dramaturgia, do posicionamento do diretor e da participação do ator no processo. Pontuando brevemente alguns aspectos acerca da criação coletiva e do processo colaborativo, pode-se dar ênfase à seguinte citação de Rosyane Trotta:
"Os processos colaborativos embora estejam associados à prática de um teatro contínuo, geralmente ligada ao trabalho de um grupo ou companhia, não se constitui como expressão de uma identidade comum, mas como contraposição e justaposição de diversidades individuais em que o elo comum e o fio condutor é o espetáculo. Na criação coletiva, o grupo em geral é anterior ao projeto, já está reunido quando trata de se colocar a pergunta “o que faremos”, ao passo que os espetáculos produzidos em processo colaborativo nascem de um projeto pessoal do diretor, que reúne a partir de então a equipe de que necessita para empreender a criação [...] A criação coletiva, embora tenha emergido de um contexto histórico específico, não se restringe ao passado, sendo praticada ainda hoje por grupos cujos integrantes se responsabilizam não apenas pela cena, mas pelo projeto e sua continuidade [...] os atores se ocupam tanto das questões cênicas quanto extra-cênicas – produção, distribuição, divulgação. Pode-se considerar que a qualidade de engajamento e a continuidade necessárias a esta modalidade teatral exigem uma relação estreita entre o teatro que se pratica e os valores que orientam a vida pessoal do artista [...] O efeito daquilo que chamamos “ausência do coletivo” sobre o processo colaborativo produz uma configuração da autoria muito distinta daquela encontrada na criação coletiva, uma vez que, pela falta de identidade entre os participantes, recai sobre o encenador a tarefa de “fabricar” o coletivo autor" (2006, p.158 – aspas da autora; grifos nossos).
Desta forma, pretendemos que neste projeto toda a equipe seja envolvida no processo de montagem do espetáculo, inclusive a autora do fanzine. Faremos um trabalho de mesa, onde leremos as pesquisas históricas realizadas pelas historiadoras Cristina Helou e Marcela Borala; juntamente com as teorias específicas acerca da oralidade e narrativa. Ademais, documentos históricos, fotografias e documentários sobre a cidade de Goiás e sobre a transferência da capital para Goiânia. Já o espaço está sendo pensado como lugar de memória, assim como o figurino. A ideia do coletivo de artistas é pensar as relações entre o corpo espacializado e o espaço do corpo; e o tempo vivido pelos moradores da cidade de Goiás. O que se espera, é que a partir do fanzine e das entrevistas realizadas pelas historiadoras, possamos retomar a experiência de vida dos idosos que habitam a Cidade de Goiás, dando relevo às narrativas acerca da transferência da Capital. A direção do espetáculo, pretende com essa práxis constituir uma experiência de formação (pensando a relação entre História, Arte e Educação) para estudantes e atores envolvidos no trabalho, além das crianças e adolescentes da Cidade Livre.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O drama entendido como teatro é multifacetado, como disse Martin Esslin (1978); contempla a diferenciação do teatro dramático, onde é predominante a ação – e o teatro épico – que tem como elemento a narração. Entretanto, o drama entendido enquanto gênero não abarca o teatro épico. No teatro dramático se pressupõe uma tensão, um conflito que levará um desenlace; o espectador é conduzido pela ação sequencial dos acontecimentos (PAVIS, 1999). O teatro épico foi conceituado pelos encenadores Erwin Piscator e Bertolt Brecht. Para esclarecer essa questão do ponto de vista formal, Anatol Rosenfeld (2010) abordou as estruturas dos gêneros lírico, épico e dramático para discutir o teatro épico. Sem reduzir o sentido dos três gêneros, o autor trouxe o significado substantivo e adjetivo das formas de expressão e a distinção entre elas, pautado pela teoria literária:
"Pertencerá à Lírica todo poema todo poema de extensão menor, na medida em que nele não se cristalizarem personagens nítidos e em que, ao contrário, uma voz central – quase sempre um “Eu” – nele exprimir seu próprio estado de alma. Fará parte da Épica toda obra – poema ou não – de extensão maior, em que um narrador apresentar personagens envolvidos em situações e eventos. Pertencerá à Dramática toda obra dialogada em que atuarem os próprios personagens sem serem, em geral, apresentados por um narrador. [...] Costuma haver, sem dúvida, aproximação entre gênero e traço estilístico: o drama tenderá, em geral, ao dramático, o poema lírico ao lírico e a Épica (epopeia, novela, romance) ao épico. No fundo, porém, toda obra literária de certo gênero conterá, além dos traços estilísticos mais adequados ao gênero em questão, também traços estilísticos mais típicos dos outros gêneros. Não há poema que não apresente ao menos traços narrativos ligeiros e dificilmente se encontrará uma peça em que não haja alguns momentos épicos e líricos" (ROSENFELD, 2010, p.17, 18-19). No que diz respeito aos traços estilísticos fundamentais do gênero épico, Rosenfeld (2010), afirmou que ele é mais objetivo que o lírico, uma vez que o mundo objetivo, emancipa-se consideravelmente em relação à subjetividade do narrador. Este é fundamental na narração, a qual deve constituir “o desdobramento em sujeito (narrador) e objeto (mundo narrado)” (ROSENFELD, 2010, p.17).

 No poema lírico, o ser humano é solitário, enquanto na expressão épica, o narrador busca se comunicar com outrem para contar uma história. Nesse caso, não está em jogo somente o estado de alma individual, mas estão presentes narrativas que aconteceram a outras pessoas; e há um deslocamento temporal, visto que a história já aconteceu, ‘foi’. Assim, cria-se uma distância entre o narrador e o mundo narrado (ROSENFELD, 2010). O que permite tanto ao sujeito que narra quanto aquele que experiencia a narrativa, tomar uma atitude mais distanciada e objetiva, o que não exclui a subjetividade do indivíduo. Do exposto também segue que o narrador, distanciado do mundo narrado, não finge estar fundido com os personagens de que narra os destinos. Geralmente finge apenas que presenciou os acontecimentos ou que, de qualquer modo, está perfeitamente a par deles. De um modo assaz misterioso parece conhecer até o íntimo das personagens, todos os seus pensamentos e emoções, como se fosse um pequeno deus onisciente. Mas não finge estar identificado ou fundido com eles [como acontece na forma dramática]. Sempre conserva uma distância face a eles. Nunca se transforma neles, não se metamorfoseia. Ao narrar a estória deles, imitará talvez, quando falam, as suas vozes e esboçará alguns dos seus gestos e expressões fisionômicas. Mas permanecerá, ao mesmo tempo, o narrador que apenas mostra ou ilustra como esses personagens se comportaram, sem que se passe a transformar-se neles. Isso, aliás, seria difícil, pois não poderia transformar-se sucessivamente em todos eles e ao mesmo tempo manter a atitude distanciada do narrador (ROSENFELD, 2010, p.17).
No estilo épico há uma diferenciação entre sujeito e objeto; enquanto nos gêneros dramático e lírico não há uma diferenciação clara entre sujeito e objeto. Para Rosenfeld (2010), não há uma oposição sujeito-objeto. Partindo de uma análise hegeliana, o autor escreveu que na acepção dramática, não ouvimos uma narração sobre uma ação, como na forma épica; e sim, presenciamos a ação enquanto se vem originando atualmente, como expressão imediata de sujeitos, como na lírica (ROSENFELD, 2010, p.29). Para Hegel, a Dramática é superior à Lírica e à Épica. Divergindo de Hegel, Rosenfeld (2010) não reconheceu superioridade de nenhum dos gêneros. E mostrou como as mudanças na voz do sujeito nos três gêneros alteram tanto a percepção do tempo, quanto da ação na perspectiva do espectador. O pronome da Lírica é o Eu, presente eterno; da Épica o Ele, pretérito; da Dramática será Tu, Vós, etc. – cujo tempo é o presente que passa e exprime a atualidade do acontecer. É importante evidenciar que, para além das categorias fechadas, podemos observar que a forma da peça, que é como o dramaturgo se posiciona diante da obra a ir para o palco, está relacionada com o que o gênero exige (PALLOTTINI, 1988). Por isso, a forma da dramaturgia é fundamental para a composição estética da obra. Benjamin (1994) alegou que perdemos um tanto da arte de narrar, e com isso, a possibilidade de superar o empobrecimento humano a partir da experiência:
"Quando se pede num grupo que alguém narre alguma coisa, o embaraço se generaliza. É como se estivéssemos privados de uma faculdade que nos parecia segura e inalienável: a faculdade de intercambiar experiências. [...] A experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorreram todos os narradores" (BENJAMIN, 1994, p. 197-198).

Para Benjamin (1994), o narrador se conserva no curso da história e talvez não esteja necessariamente presente entre nós, pois ele é um ente que se mantém à distância e permanece vivo na existência do tempo. Nós o vemos assim como ele se apresenta, com distância favorável: “Vistos de uma certa distância, os traços grandes e simples que caracterizam o narrador se destacam nele. [...] Uma experiência quase cotidiana nos impõe a exigência dessa distância e desse ângulo de observação. É a experiência de que a arte de narrar está em vias de extinção” (BENJAMIN, 1994, p. 197). Benjamin (1994) revelou que essa abreviação da narrativa pela short story “que se emancipou da tradição oral e não mais permite essa lenta superposição de camadas finas e translúcidas, que representa a melhor imagem do processo pelo qual a narrativa perfeita vem à luz do dia [...]” (1994, p. 206). A falência do ato de narrar, não é uma característica moderna, isso vem historicamente se constituindo. Contudo, também firmou que é no período moderno que a morte da narrativa se consolidou. Com a difusão do romance pela imprensa, A tradição oral, patrimônio da poesia épica, tem uma natureza profundamente distinta da que caracteriza o romance. O que distingue o romance de todas as outras formas de prosa – contos de fada, lendas e mesmo novelas – é que ele nem procede da tradição oral nem a alimenta. Ele se distingue, especialmente, da narrativa. O narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas à experiência de seus ouvintes. O romancista segrega-se. A origem do romance é o indivíduo isolado, que não pode mais falar exemplarmente sobre suas preocupações mais importantes e que não recebe conselhos nem sabe dá-los (BENJAMIN, 1994, p. 201). O narrador compartilha o momento da história contada, precisa de companhia; já o romance só pode ser lido por “uma dama ou um cavalheiro” solitários. Inversamente, o ato de narrar demanda um nível de coletividade e de afastamento da imagem do “indivíduo solitário”. Por isso, o exercício de narrar pode vir a ser uma volta à possibilidade de experiência na tentativa de tomar à consciência a historicidade e destituir do sujeito este estado de spleen [tristeza pensativa, melancolia], no qual a atitude está reificada:
"Não existe mais consolo para quem está excluído de qualquer experiência... No spleen, o tempo se reifica; os minutos cobrem o homem, como flocos... No spleen, a percepção do tempo se torna sobrenaturalmente aguda; cada segundo encontra a consciência em estado de alerta, para aparar seu choque... O homem que perde a experiência se sente expulso do calendário" (BENJAMIN apud ROUANET, 2008, p. 51).
A insuficiência do romance está na base da ação e, por isso, Benjamin expôs uma teoria que analise e reivindique a narração, a forma épica. Para Benjamin,
"A memória é a mais épica de todas as faculdades. [...] A reminiscência funda a cadeia da tradição , que transmite os acontecimentos de geração a geração [...] Tal é a memória épica e a musa da narração. Mas a esta musa deve se opor outra, a musa do romance que habita a epopeia, ainda indiferenciada da musa da narrativa" (1994, p. 210-211, grifos do autor, notas nossas).
Aqui essa “faculdade” é pra nós imprescindível, tal como se faz urgente a diferenciação entre a qualidade de memória das formas épica e dramática. Buscamos com isso, não a memória que assegura a reprodução, e sim, uma memória que apreende e compreende o curso histórico das coisas, dos eventos, das pessoas, das experiências vividas. Não idealizamos a memória, porque esta, como espelhamento da experiência, pode ser idealizada; e as contradições dela precisam ser expostas. Do contrário, cria-se uma ideia romântica da memória enquanto musa épica. O autor concluiu que, com o advento do alto capitalismo e a consolidação da burguesia, a imprensa se tornou um instrumento de poder para a propagação do romance e a extinção da forma épica. A informação, como nova forma de comunicação, tornou-se estranha tanto ao romance quanto à narrativa. E por mais que recebamos diariamente notícias do mundo, tornamo-nos pobres de histórias surpreendentes. No caráter imediato da informação, reside a forma ‘em si e para si’. Contrariamente,
“O saber, que vinha de longe – do longe espacial das terras estranhas, ou do longe temporal contido na tradição –, dispunha de uma autoridade que era válida mesmo que não fosse controlada pela experiência” (BENJAMIN, 1994, p. 203, grifos nossos).

Flávio Desgranges (2010a), a partir da obra de Benjamin (1994), expõe que a arte de narrar é uma faculdade épica, vinculada à memória. Como ele afirma, a ausência de memória individual e coletiva se dá pela ausência do ato de narrar. Deste modo, forma-se um esvaziamento e uma falência da linguagem. O olhar que transita por passados distintos, os quais podem vir a ser presentes pela lembrança, tornam-se esquecidos. Isso prejudica a leitura de mundo, pois a linguagem na sua potência mais “pura”, a relação entre o eu e o outro, não se efetivam. E os tempos – presente, passado, futuro – acabam fixos, sem possibilidade de dialogarem com as experiências vividas pelo sujeito, individual e coletivamente. Não obstante, a linguagem permanece acéfala, pois como diz Desgranges (2010a): a natureza da linguagem deveria ser viva, mas ela só pode viver mediante a um discurso vivo.
"Linguagem que é intrínseca à própria história, já que o discurso histórico é sempre uma narrativa [...] fazer história é contar história [...] Pois, na medida em que o homem só pode receber a história numa transmissão, a história condiciona e mediatiza o acesso à linguagem" (KRAMER apud DESGRANGES, 2010a, p. 107).
A linguagem como forma de discurso precisa pensar, portanto, o lugar da palavra, o sentido do discurso, e o lugar da voz do corpo, da oralidade. O sentido aqui é elaborado como sendo parte paixão e parte racionalidade refletida: da corp(oralidade) pertencente também a uma tradição oral. Isso sugere uma apropriação da história e uma incorporação da compreensão. A resposta reverbera no corpo vibrátil, o qual eclode na vibração da história, ou seja, na qualidade de energia empenhada na ação de contar. Quem ouve pode mesmo até sentir sua história de vida transformar e, quiçá, tornar-se um bom contador de histórias ou um bom narrador, pois, como afirmou Benjamin: “São cada vez mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente” (1994, p. 197). E na arte de narrar comparece junto à voz, a alma, os olhos e as mãos:
“A alma, o olho e a mão estão assim inscritos no mesmo campo. Interagindo, eles definem uma prática. Essa prática deixou de nos ser familiar. [...] Na verdadeira narração, a mão intervém decisivamente, com seus gestos, aprendidos na experiência do trabalho [...]” (BENJAMIN, 1994, p. 221).
Na análise de Benjamin (1994) sobre o empobrecimento do homem e sua formação estética, podemos perceber evidências dos estudos acerca da narração e as motivações para trabalhar aspectos do teatro épico. Quando o autor apontou a narração no sentido da experiência, ele inferiu:
“Na narração, o acontecimento é incorporado à vida do narrador, que a transmite, como experiência, ao ouvinte. É por isso que o narrador deixa nele seus traços, como o oleiro deixa as marcas de sua mão no vaso de argila” (BENJAMIN apud ROUANET, 2008, p. 50).
 Assim, os vestígios do narrador estão presentes de diversas formas nas narrações, seja para quem enunciou, seja para quem ouviu, sentiu, presenciou. A narração pode intensificar a experiência pela palavra que, segundo Adorno “é função da mediação, de uma experiência considerável e englobante (ADORNO, 1988, p.274). Tanto a palavra é um discurso poderoso, quanto a troca de experiências e afetivas entre o eu e o outro.
Na perspectiva dos educadores-artistas, o que ocorre é que eles podem suscitar no exercício da mediação o alumbramento, a lembrança, a imaginação, a invenção por meio de suas próprias memórias e de outrem. Desta forma, ao atualizar as experiências estéticas – que não necessariamente são artísticas – podem potencializar a criação, ainda que com consciência da realidade. Sendo que esta pode se tornar forma de dominação ou de emancipação. As ações criativas como lugares de formação singular e coletiva são atos de expressão particulares e universais. Ao motivar essa formação é possível que narrativas ricas surjam e construam pontes entre subjetividade e objetividade. O ato de narrar, tanto para quem transmite quanto para quem ouve, exige reciprocidade para que haja compreensão mútua; o tempo presente é ocupado pela concentração dos acontecimentos narrados e impele uma atenção dos sujeitos envolvidos na enunciação. Nesse sentido, Benjamin destacou o aspecto da concentração em oposição à dispersão, pois:
"As tarefas que em momentos de crise histórica se colocam ao aparelho perceptivo humano são insolúveis por meios meramente óticos, baseados na contemplação. Elas podem ser gradualmente solucionadas por meio da recepção tátil do hábito. Também o distraído pode habituar-se... Como de resto os indivíduos estão expostos à tentação de se esquivarem a essas tarefas, a arte pode dar sua contribuição mais decisiva na medida em que puder mobilizar as massas. É o que ocorre no cinema. A recepção baseada na dispersão, que se nota com ênfase crescente em várias esferas da arte e constitui o sintoma de profundas modificações perceptivas, tem no cinema seu verdadeiro instrumento. Graças a seus efeitos de choque o cinema vem ao encontro dessa forma de recepção" (BENJAMIN apud ROUANET, 2008, p. 57).
Quando ousamos falar em narrativa, antes de qualquer afirmação, faz-se necessário postular quão vasto é seu universo. Narrativas curtas, longas, em prosa, em verso, fabulísticas, fantásticas, biografias, autobiografias, entre outras. Seja qual for o gênero, a narração trará consigo aspectos objetivos e subjetivos; nos quais estão presentes as próprias contradições históricas do sujeito. Como diz Suzi Sperber, a oralidade enquanto diferença relativa à escrita, por exemplo, expõe características “resvaladiças, ou ambíguas, ou mesmo equivocadas” (2009, p.69). Por isso, a memória trai.
O teatro conta histórias e no teatro se conta histórias. Todavia, quando falamos em contar histórias não estamos falando exclusivamente de uma história com enredo linear (determinado tecnicamente), com início, meio, fim. Falamos, sobretudo, da criação de outros sentidos para as nossas histórias que vemos, ouvimos, experimentamos, vivenciamos e experienciamos esteticamente. Aqui inauguraremos a noção de corp(oralidade), porque como diz Sperber (2009), em geral,
"a fala – na oralidade – é estudada isolada de contexto e, fundamentalmente, sem atribuição de sentido aos movimentos, ao corpo, objetos e função dramática, plenos de energia, é esvaziado de sentido. A repetição, que costuma ser vista como forma de esvaziamento de sentido, marca de oralidade" (SPERBER, 2009, p.236).
A racionalização do homem sobre sua própria razão pode tornar o corpo morto de sentido. Compreendemos que o corpo é parte constituinte da realidade do sujeito que narra; e fundamental na compreensão de sua própria existência. O ato de contar histórias também emerge dos rituais e das práticas cotidianas comungadas corporalmente. Contar histórias faz parte da constituição das relações humanas e a narrativa talvez tenha nascido justamente da necessidade de compartilhar um acontecimento ocorrido ou uma história inventada. Antes mesmo da fala, o corpo já se pronunciava com movimentos, mímicas, gestos. A história do sujeito está inscrita em seu corpo. As histórias podem ser conhecidas ou não conhecidas. O fato é que as histórias cantadas e/ou contadas corp(oralmente); ou grafadas em poemas, contos fantásticos, textos literários, entre outras, fazem preservar uma ‘pulsão de ficção’ (SPERBER, 2009).
Sperber afirmou que “o inconsciente é mais conservador que a consciência”; o que nos leva a cristalizar os conteúdos da inconsciência e, consequentemente, ao aprisionamento do ego ao inconsciente (2009, p.28). Criando assim uma ausência de consciência dos elementos negados pelo sujeito. Por isso, sobre a pulsão de ficção – conceito inspirado na psicanálise freudiana – a autora fala que precisamos ir muito além do familiar. Explica ainda, que os homens estão num mundo padronizado, mas ainda sim, de alguma forma, todos querem ‘sair de si’, no sentido de deixarem de ser escravos para alcançarem a emancipação: "O esforço por ‘despertar o escravo’ que é esta voz silenciada, desafinada, tem fundamento filosófico, psíquico, ficcional e educacional. E a idéia é ‘despertar o escravo’ estimulando o seu potencial virtual, cuja manifestação maior é a pulsão de ficção. A pulsão de ficção é a necessidade imperiosa de contar para atribuir um sentido, corrigi-lo, entender, ou tentar compreender. Ao fazer isso, por meios que não são mais do que a palavra, são performance, com uso de recursos como gestos, movimentos, palavras, linhas, cores, formas no espaço ou na superfície plana, a pulsão de ficção cria imagens, usa símbolos que, comumente, remetem a um passado histórico ou pré-histórico. É que, ao mesmo tempo têm um sentido ancorado no evento pelo enunciador, compreendido pelo receptor a partir da inserção do texto (ou da obra) no contexto do presente histórico, do conhecimento, do pensamento, dos movimentos políticos, econômicos, ideológicos, filosóficos, têm também um lastro no passado histórico – este de duas naturezas: o passado histórico singular e o histórico cultural" (SPERBER, 2009, p.236, grifos da autora). Para a autora, a aprendizagem se dá por “caminhos de ida e volta, isto é, de enunciação e escuta” (SPERBER, 2009, p.235). Sem um ou outro, não se elabora o saber. Se, por um lado, é importante reconhecermos mitos, histórias e personagens famosos; por outro lado, não inovar não permite outras relações além das empoçadas. Arquétipos, símbolos, personagens são potentes para estabelecer vínculos entre o sujeito e a cultura por ele habitada. Aquelas histórias que (ainda) não são conhecidas possibilitam uma visibilidade daqueles sujeitos os quais são invisíveis aos olhos da sociedade. As narrativas contadas por sujeitos “comuns” fazem emergir certo mapeamento da subjetividade, que não o engessa na totalidade do eu, mas dá indícios de algumas (in)formações consideráveis sobre o sujeito. Nesse movimento de percepção da narrativa, dispomos de um saper, saber-sabor. E no gosto encontramos um tanto de memória individual e coletiva concomitantemente. Ou seja, na narrativa comparecem elementos particulares e universais, aspectos socioculturais e, em certa medida, um pouco da constituição da existência do sujeito que narra – existência vivida que forma a substância das histórias.
Como acirrou Benjamin, “O conselho tecido na substância viva da existência tem um nome: sabedoria. A arte de narrar está definhando porque a sabedoria – o lado épico da verdade – está em extinção” (1994, p. 201). O lugar de reconstrução da linguagem para a autonomia do sujeito, como proclama Desgranges (2010a), talvez possa se dar tanto pelo reconhecimento da palavra como um domínio histórico como ele escreve, mas ainda, pelo sentido da palavra na relação entre os seres humanos. Neste sentido, a historicização brechtiana, faz-se no “abrir o diálogo com o passado” (DESGRANGES, 2010a), num sentido benjaminiano; e na elaboração do passado, num sentido adorniano.
"A elaboração do passado como esclarecimento é essencialmente uma tal inflexão em direção ao sujeito, reforçando a sua auto-consciência e, por esta via, também o seu eu . Ela deveria ser concomitante ao conhecimento daqueles inevitáveis truques de propaganda que atingem de maneira certeira aquelas disposições psicológicas cuja existência precisamos supor nas pessoas [...] O passado só estará plenamente elaborado no instante em que estiverem eliminadas as causas do que passou. O encantamento do passado pôde manter-se até hoje porque continuam existindo suas causas" (ADORNO, 1995b, p. 48-49).
Para Adorno, quando “a humanidade se aliena da memória, esgotando-se sem fôlego na adaptação ao existente, nisto reflete uma lei objetiva do desenvolvimento [...]” (1995b, p. 33). O autor chamou atenção para que não rejeitemos o sentido do horror e para que não receio ou medo no contato com a barbárie. Por isso, a importância de elaborar o passado viria a ser uma forma de identificar os sintomas da barbárie; e a criação de ideologias . A elaboração do passado é reconhecer a importância do contexto histórico para compreender o presente enquanto realidade antagônica.

METODOLOGIA
Desse modo, diante da possibilidade de lidarmos com as narrativas orais, cremos ser fundamental abordar um pouco sobre tal metodologia, tão polêmica no campo da História Oral, uma vez que pode tratar de posicionamentos ideológicos. Respeitaremos a trajetória de cada um, pois
"(...) nem todos viveram sua adolescência e sua maturidade nas mesmas condições sociais e políticas, e os velhos tempos, embora tenham igualmente passado, não são os mesmos para todo mundo. Do ponto de vista de que há de mais singular em cada indivíduo, nenhuma testemunha se assemelha a outra; também no plano social o leque é muito rico (GOLDMAN, 1998, p. 39)"
 De fato a discussão com a fonte oral não é nada fácil e, em função disso, nós nos preocupamos em aprofundar um pouco mais na questão, para que o caro leitor se sinta mais familiarizado com nossa abordagem. O trabalho com as narrativas orais é instigante, mas escorregadio. Cada sujeito social traz consigo uma experiência social diversa, nutrido de palavras e sentimentos que se apoiam no processo histórico por ele vivido. Desse modo, quando fazemos uma entrevista, cabe a nós perceber que os fatos históricos de um determinado período, de uma determinada sociedade, pode ser percebido a partir da vivência de cada um desses sujeitos com os quais nos propusemos a dialogar.
Levando em consideração o modo como a fonte oral vai se consolidando, podemos dizer que tanto entrevistador quanto narrador fazem parte da narrativa oral. No ato de entrevistar, também nossa subjetividade constitui a fonte. O modo como elaboramos nossa trajetória de investigação pode, muitas vezes determinar o andamento do diálogo. Muitas vezes, inclusive, a história narrada e o modo como abordamos o narrador, pode estar carregado de uma memória coletiva. Mesmo nas narrativas literárias isso pode aparecer como no caso da autora Cora Coralina. No caso da literatura de Cora Coralina isso é evidente. Seus textos abordam os becos de Goiás e as lavadeiras do Rio Vermelho, localizado na Cidade de Goiás. Entretanto, ela também faz alusão a momentos históricos demarcados pela bibliografia tradicional que trata da história de Goiás. Não é acaso, portanto, que os textos de Cora Coralina tenham sido reconhecidos como fundamentais pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional, na década de 1950. Seus escritos trazem o modus vivendi do povo goiano e ao mesmo tempo abordavam a cronologia até então evidenciada (GOMIDE, 2007).
Diante da gama de possibilidades apresentadas nas narrativas orais e literárias, cabe a nós problematizar sobre a pluralidade da memória. Trata-se, portanto, de muitas histórias e muitas memórias. Colocá-las no plural é fundamental. Refletir sobre elas é fundamental! É o que nos apontam Déa Fenelon, Heloísa S. Cruz e Maria do Rosário C. Peixoto, quando falam da trajetória de construção de um projeto que repensava a relação entre memória e história:
"Afirmávamos...a profunda relação entre história e vida e a figura do historiador, como um homem do seu tempo. Assim, buscávamos retirar a História do campo da erudição neutra ou da mera especulação do passado e a colocávamos no campo da política, no melhor sentido da palavra. Em outro ponto do Projeto, buscávamos enfatizar o caráter ativo da memória na construção histórica, portanto, no estabelecimento de forças hegemônicas [...]" (FENELON, CRUZ, PEIXOTO, 2000, p. 6).
A história está carregada de lutas sociais, de tensões, lutas políticas e disputas por espaços. Memórias hegemônicas e alternativas podem se constituir na vida cotidiana dos sujeitos sociais. Pode ser que a memória pública esteja impregnada na sociedade. Podem produzir significados, às vezes até incorporando a memória oficial. Isso indica permitir a interpretação das múltiplas memórias e perceber que nossa noção de história está se refazendo a todo momento, trazendo à tona permanências e transformações. Vista desse modo, a fonte oral se constitui duplamente. Está carregada das experiências vividas por nós e nossos narradores. Essa é uma maneira de admitir a contradição da história e modo como ela vai se consolidando, nas suas tensões e transformações.
 Nosso objeto é a mudança e por isso enfatizamos a necessidade da revisão de nosso trabalho como pesquisadores constantemente, evitando que deixemos de fazer um trabalho com problemáticas e apenas caiamos na armadilha da utilização das narrativas como forma de corroboração dos fatos históricos já estabelecidos. Assim, além das pesquisas bibliográficas, valeremo-nos também de entrevistas estruturadas e narrativas orais. Valeremo-nos de tais pesquisas para a criação da peça teatral.



BIBLIOGRAFIA

FENELON, Déa Ribeiro, MACIEL, Laura Antunes, ALMEIDA, Paulo Roberto, KHOURY, Yara Aun (orgs) Muitas Memórias, Outras Histórias. São Paulo: Olho dágua, 2004
FONSECA, Thais Nívia de Lima e, História e Ensino de História. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
GOLDMANN, Lucien. Ciências Humanas e Filosofia. Que é a sociologia? Rio de Janeiro: Bertrand, 1993.
GOMIDE, Cristina Helou. Antiga Vila Boa de Goiás – experiências e memórias na/da cidade patrimônio. Tese de doutorado. São Paulo: Programa de Pós-Graduação em História da PUC/SP, 2007.

 PORTELLI, Alessandro. “Tentando Aprender um Pouquinho. Algumas reflexões sobre a ética na história oral” in REVISTA PROJETO HISTÓRIA. Ética e História Oral, vol 15. São Paulo: PUC/SP, 1997.